Amarcord: tesão pela vida
- JORGE MARIN

- 10 de nov. de 2018
- 2 min de leitura
Atualizado: 25 de ago.
Até Amarcord, o adjetivo felliniano costumava ser definido como “burlesco”, “alegórico”, “imagético”.
Amarcord, que seria uma corruptela de mi recordo no dialeto de Rimini, cidade natal do diretor, introduziu cenas inspiradas na adolescência de Federico Fellini que, dizia ele, NÃO eram memórias, pelo menos conscientes, palpáveis.
E essas coisas que não podem ser tocadas, como as le manine do início do filme (pequenos flocos que caem das árvores e dissolvem nas mãos das pessoas), são conteúdos simbolizados mas não expressos, como se fosse possível capturar em celuloide os sonhos, os chistes e os atos falhos de uma sessão de psicanálise.
Magnífico, esse filme talvez seja uma das expressões mais emocionantes da perplexidade masculina ante as mulheres. Num encantamento mágico que beira o pavor, vemos esses seres estranhos que, à primeira vista, causam excitação e promessas, revelarem-se ameaças naturais, depósitos explosivos de estrogênio.
Há quem diga que, sob uma repressão massiva da Igreja Católica e do fascismo da época, todos os homens regrediam a um estágio púbere, o que talvez possa explicar a ambiguidade de Titta (o rapaz que pode ser Fellini, vivido por Bruno Zanin) que, em contato com os seios gigantes da dona da tabacaria (Maria Antonietta Beluzzi), mais se assemelha a um bebê sufocando do que a um amante feliz.
O que ocorria naquela pequena cidade dos anos 1930 é que homens se expressavam através de símbolos fálicos (o hino comunista na torre da igreja, o mural de flores compondo o rosto do Duce, o pavão na neve) a desafiar a natureza, ao passo que mulheres ERAM (são sempre) a natureza em si.
Gradisca (Magali Noël), o grande objeto de desejo dos ragazzi, só se dava (literalmente) aos poderosos. A prostituta Volpina (Josiane Tanzilli), única pessoa não reprimida na vila, causava medo e nojo, e caminhava sozinha pela praia.
O filme termina da forma que começou. Durante o casamento da Gradisca com um oficial fascista, as le manini retornam anunciando o início de nova primavera. Titta (Fellini?) já foi embora há algum tempo, dizem. Sem se aperceber do final da cerimônia, o acordeonista cego continua tocando a música inesquecível de Nino Rota.
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