A Burguesia somos todos nós, sem charme
- JORGE MARIN
- 29 de dez. de 2018
- 2 min de leitura
Atualizado: 27 de fev. de 2022
O Discreto Charme da Burguesia é um filme obrigatório sob todos os aspectos. E isso acontece porque o conceito de “burguesia” vem se transformando através dos tempos. No entanto, seja qual for a compreensão da vez, algumas características, todas elas muito claras no filme, irão prevalecer: hipocrisia, narcisismo, egoísmo e uma certa dose de estupidez.
Assim como descrito por Cazuza depois de afirmar que “a burguesia fede”, Buñuel deixa claro com seus personagens que a burguesia quer ficar rica. São pessoas que se encontram acima da multidão faminta mas bem abaixo da elite: assessores de políticos, bispos, coronéis, diplomatas. Hoje seríamos todos nós que postamos fotinhas no Facebook mostrando nossos churrascos e turismos em Paquetá.
Nesse ponto, aparece a característica mais marcante do filme: embora os personagens se encontrem SEMPRE em jantares, onde o assunto recorrente é a própria comida, eles NUNCA conseguem comer, seja porque erraram a data seja porque o chef esteja sendo velado em um caixão ao lado da cozinha ou mesmo interrompidos por manobras militares (genial!).
É como se, através de um humor cínico, o diretor condenasse a burguesia a jamais participar do grande banquete capitalista. Nesse contexto, o conceito de burguesia deixa de aparecer em significações políticas ou econômicas. Aqui burguesia é puro fetiche, como, aliás, disseminado atualmente nas mídias sociais.
Fetiche é outra marca registrada do diretor. Nesta obra, aparece em múltiplos tons: o casal que decide transar no jardim na mesma hora em que os convidados chegam para jantar, o bispo que se excita ao se vestir de jardineiro (e acaba expulso da casa, até retornar com sua vestimenta clerical e ter o anel beijado) e, numa cena digna de Marx (os irmãos), Don Rafael Acosta, embaixador de um país latino fictício, escapa de um fuzilamento que atinge todos os convidados se escondendo debaixo da mesa, mas acaba traído ao tentar pegar um pedaço de presunto.
Burguesia, em 1972, eram os outros. Hoje, talvez sejamos todos nós.

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