Asas do Desejo: por que eu sou eu e não você?
- JORGE MARIN
- 19 de jan. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 27 de fev. de 2022
Asas do Desejo, tradução horrorosa do original em alemão Céu sobre Berlim, é um filme magnífico. Do teto da igreja Gedächtniskirche, na então Berlim Oriental, um ser que desconfiamos seja um anjo (por um par de asas que logo se esvai) observa a cidade, bela, pétrea e sombria.
A fotografia em preto e branco, formando um tom cinza azulado, foi uma descoberta do histórico cinegrafista Henri Alekan (do clássico A Bela e a Fera de 1946) para mostrar o ponto de vista dos anjos, Damiel e Cassiel, que, desde os primórdios do planeta, tudo observam mas pouco interferem no curso dos fatos, a não ser, por exemplo, algumas palavras no ouvido de um suicida, infrutíferas. As cenas vistas pelos seres humanos são coloridas.
O filme flui com uma angelical tranquilidade, com os dois seres imortais transitando por bibliotecas, praças e monumentos. As asas da deusa Vitória, estátua da Coluna da Vitória, cartão-postal de Berlim, servem de abrigo para Damiel que resolve se transformar em humano para, entre outras coisas, poder alimentar o gato ou tirar os pés do sapato debaixo da mesa.
Há outros personagens marcantes no filme, que interagem com os anjos, como o ator americano Peter Falk que não representa: é o eterno detetive americano, mas, estranhamente, sente a presença de Damiel, interage com ele e ainda o desafia a esfregar as mãos para aquecê-las. Há ainda o poeta Homer, homenagem a Rainer Maria Rilke, cuja poesia inspirou o filme.
Finalmente, a trapezista Marion é a presença feminina, instável, depressiva. Existe nela uma dor que pode ser a mesma dor da solidão que Damiel carrega pela eternidade. Quando se torna humano, e se junta à bela trapezista, experimenta "o total espanto causado pelo homem e pela mulher, conhecimento que nenhum anjo é capaz de atingir".
Quando termina, o filme promete uma sequência, que ocorreria em 1993. Para o espectador, que não consegue evitar se identificar com os anjos, restam as estrofes da poesia do roteirista Peter Handke que fala de perguntas infantis: “Por que eu sou eu e não você? Por que estou aqui e não ali?”.

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