Roma é monumental e corriqueiro
- JORGE MARIN
- 6 de abr. de 2019
- 2 min de leitura
Roma é um dos filmes mais impressionantes deste início de século. Meticulosas, grandiosas e emocionantes, a direção e a cinematografia de Alfonso Cuarón conseguem a façanha de recriar a cultura da década de 1970 na cidade do México sob a perspectiva simplória de uma fiel empregada doméstica sem perder um único detalhe importante.
Embora a câmera siga todos os movimentos de Cleo, também babá dos quatro filhos do casal Antônio e Sofia, a visão que temos dos grandes planos abertos é sempre de baixo para cima, como se dividíssemos com uma das crianças (provavelmente o diretor) a admiração de cenas monumentais, como as ondas do mar, que constituem, para um adulto, fatos corriqueiros do dia a dia.
Roma era um bairro de classe média com casas luxuosas e equipes de empregadas, cozinheiras, babás e motoristas. Desde o alvorecer, quando acorda as crianças para a escola, até o anoitecer, quando apaga as luzes, Cleo parece atender a todos os desejos, servindo refeições, limpando o cocô do cachorro Borras, lavando todas as roupas e sussurrando com a cozinheira Adela no dialeto Mixtec.
A forma minuciosa e segura com a qual o patrão introduz o potente Galaxy 500 no apertado corredor que lhe serve de garagem é um simbolismo fálico que indica um predomínio patriarcal e masculino em todos os conflitos da história. Abandonada por ele, a senhora Sofia dirá sobre as mulheres: “estamos todas sozinhas”.
Entremeadas na rotina diária, ocorrem momentos marcantes, como a viagem sem retorno do pai, um terremoto, a janela quebrada numa briga, um incêndio na festa de Ano Novo e o (quase) afogamento das crianças no mar de Tuxpan . Uma das cenas mais pungentes, o parto de Cleo, feito por médicos e enfermeiras reais, ocorre logo após uma das maiores tragédias da história do México, o Halconazo, em que dezenas de estudantes foram massacrados por paramilitares no Corpus Christi de 1971.
No final do filme, a família retorna à casa. Cleo exprime pela primeira vez um desejo: não queria seu bebê.

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