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- Manhattan: filme de amor... a uma cidade
Manhattan de Woody Allen apresenta uma cinematografia em preto e branco – de Gordon Willis - com uma beleza raramente vista no cinema. O filme é leve, grandioso e equilibrado. Visto a princípio como uma comédia romântica mostrando o relacionamento entre um homem de meia-idade e uma adolescente, o enredo assume complexidades que apenas pessoas apaixonadas serão capazes de reconhecer. O próprio romance entre Isaac e Tracy não prospera por pura imaturidade... dele. Embora o clima romântico esteja sempre presente, o que mais se vê durante o desenvolvimento da trama são pessoas que não suportam vivenciar a felicidade e buscam o tempo todo justificativas para romper com seus parceiros: Isaac incentiva Tracy a deixá-lo; Mary, que está vivendo um caso com Yale, também pede que ele a deixe porque não tem coragem de deixar sua esposa; o próprio Yale encoraja um relacionamento entre Mary e Isaac, para mais tarde se arrepender. Parece que romances são na verdade um pretexto para que o diretor celebre o seu amor particular por Manhattan, um local que ele adora. Desde a abertura do filme, com um amanhecer no Central Park ao som de Rapsódia Azul de George Gershwin, até a icônica cena do casal Mary-Isaac num banco da praça Sutton contemplando a ponte Queensboro, o que se vê é uma sequência de rituais novaiorquinos da época: ir ao museu Guggenheim, filmes de arte, barquinhos no lago, concertos, comida chinesa e uma sequência de músicas românticas executadas principalmente pela Filarmônica de Nova Iorque, sob a batuta do histórico maestro Zubin Mehta. Ao final do filme, depois de encontros e desencontros, parece que, junto com Isaac, apaixonamo-nos todos por Tracy, ou por Mariel Hemingway. Sua atuação é tão natural e desprovida de glamour que parece a única pessoa equilibrada dentro de uma multidão de seres absolutamente incapazes de se relacionar de forma serena. Quando todos, ao se apresentar, falam não o que são mas o que fazem, é de Tracy a fala mais divertida. Após as pessoas dizerem que são da TV, da editora, da crítica literária, ela diz: ─ Eu sou do colégio. #resenha #allen
- O lado bom da vida louca
O lado bom da vida é um marco em cinema sobre pessoas com problemas mentais. Normalmente vistas como perigosas (como em Psicose de Hitchcock) ou engraçadinhas (Rain Man de Levinson), pessoas com distúrbios mentais acabam perdendo o controle de seus corpos e são tratadas à parte, presas ou superprotegidas como, aliás, acontece na vida real. O filme de David O. Russell tenta, e consegue de uma forma diferente, transformar os dramas de duas pessoas “problemáticas” numa comédia romântica. Bonito, atlético e confiante, Pat (Bradley Cooper) consegue ser liberado de um hospital de doentes mentais onde permaneceu internado por oito meses após espancar o amante de sua mulher que ainda tem contra ele uma ordem de restrição. Diagnosticado como bipolar, ele volta para a casa dos pais, sob a responsabilidade de sua mãe Dolores (Jacki Weaver). O pai do rapaz, Pat Sr., interpretado de forma magistral por Robert De Niro, também não pode ser considerado completamente são: empehado no projeto de um restaurante, porém desempregado, vive de apostas envolvendo principalmente jogos de futebol, tendo uma paixão irracional pela equipe dos Philadelphia Eagles, motivo pelo qual foi banido do estádio por brigas. Permanecendo em frente à TV, tem plena convicção que uma série de rituais supersticiosos é capaz de alterar o resultado dos jogos. A entrada em cena de Tiffany (Jennifer Lawrence, fantástica), uma jovem viúva que mora na vizinhança, representa um ponto de equilíbrio na história não porque ela seja compreensiva e acolha Pat, mas justamente porque ela parece ser tão louca quanto ele. Durante uma discussão, passam em frente a um restaurante e, vendo o letreiro Dines, ele convida a moça: ─ Você quer jantar (dine) comigo? ─ e ela, com cara de ódio, responde: ─ Me pega às sete e meia. Juntos, comentam os efeitos dos diversos ansiolíticos e antipsicóticos, e se entregam a um projeto de dança de salão, que será o grande clímax do filme: tentarão conquistar uma boa posição e ainda defender uma aposta definitiva de Pat Sr. #russell #resenha
- O Quarto do Filho: choro calmo e lento
Quando recebeu a “Palma de Ouro”, grande prêmio do Festival de Veneza em 2001, O Quarto do Filho foi criticado por muitos exatamente por algumas das suas melhores qualidades. Tido como sentimental, simplista e comum, o filme estabelece uma empatia com o público que permite um choro calmo e lento durante muitas cenas. Essa cumplicidade acontece porque, embora compartimentados por portas, como a que divide a casa da família Sermonti e o consultório do pai, os assuntos se interpenetram e se cruzam a ponto de influenciar o destino dos personagens. Nanni Moretti, o diretor, atua como Giovanni, um psicanalista que escuta diversos pacientes com uma aparente desconfiança no processo de recordar, repetir e reelaborar. Assim, cumpre a tarefa mecanicamente, chegando mesmo a divagar. Terminados os atendimentos, Giovanni atravessa a porta que divide o consultório com a casa e mergulha nos problemas domésticos. Ele e sua esposa Paola (Laura Morante) estão preocupados com seu filho Andrea (Giuseppe Sanfelice), que foi acusado de roubar um fóssil do laboratório de ciências da escola. Ele nega. A filha, Irene (Jasmine Trinca), estuda latim com seu namorado esquisitão. Quando ocorre o acidente fatal com Andrea, a família meio que se quebra. É impressionante a cena em que, no meio de um ataque no jogo de basquete, Irene se detém surpresa pela presença do pai (que foi dar a trágica notícia), e a princípio sorri, para depois ficar completamente paralisada. A questão que surge é: como continuar levando a vida da mesma maneira? Como um profissional que acolhe a dor dos outros pode continuar exercendo a profissão a despeito de sua própria tragédia pessoal? Giovanni tenta alhear-se, tem um ataque de choro durante a sessão com uma obsessiva-compulsiva, e acaba culpando o paciente com câncer pela morte do filho. Certo dia, do nada, chega uma carta de Arianna (Sofia Vigliar) que mantinha uma conexão com Andrea. A entrada em cena dessa personagem, até então desconhecida por todos, dará uma serenidade e uma nova perspectiva ao luto. #moretti #resenha
- Parasita: diferente de tudo o que você já viu
Parasita é um filme tão extraordinário que até mesmo a sua comparação com outras obras surpreendentes pode ser perigosa. O diretor coreano Bong Joon-ho tem tal controle sobre a narrativa, e sobre a câmera, que muitas vezes nos sentimos num filme de Hitchcock ou de Tarantino ou até mesmo do neorrealismo italiano. E tudo isso flui, sem sobressaltos. O filme começa como uma comédia de costumes: a família de Kim Ki-woo (Choi Woo-sik) vive tão abaixo da linha de pobreza na desigual sociedade coreana, que mora num porão, tentando capturar sinais de wi-fi dos vizinhos da superfície, deixando as janelas abertas para se beneficiar da dedetização feita pela prefeitura nas ruas. A vida do rapaz experimenta uma reviravolta quando um amigo, que irá fazer uma viagem ao exterior, o indica como tutor de uma garota a quem está ensinando inglês. O amigo está apaixonado pela garota e confia em Kim, sabe-se lá por quê, para mantê-la a salvo. Mudando seu nome para Kevin, o moço inicia suas aula na fantástica casa da rica família e, como era de se esperar, a garota Park Da-hye (Jung Ziso) logo se apaixona por ele. Mas o seu sonho é muito mais ambicioso: conseguir emprego para toda sua família na casa. Primeiramente, ele convence a mãe da garota Yeon-kyo (Jo Yeo-jeong em ótima interpretação) a contratar uma psicóloga da arte chamada Jessica, na verdade sua irmã Ki-jung (Park So-dam) para o hiperativo filho mais novo. Usando estratagemas, logo o pai e a mãe da família Kim são admitidos na casa. E, numa viagem dos Parks, celebram em sua “nova” residência. Depois desse aparente "final feliz", tudo muda no filme: a antiga governanta Moon-gwang (Jeong-eun Lee) retorna à casa e traz com ela um grande segredo escondido até então. A eclosão dessa surpresa provoca cenas dignas de um suspense, que só termina com o retorno inesperado dos Parks. O que se segue são cenas cômicas e amenidades, até o terrível aniversário do garotinho Da-son (Hyun-jun Jung). A partir daí, caos, destruição e desespero. E um final. Ou seriam dois? #bong #resenha
- Aurora: experiência cinematográfica de sonho
Aurora é um filme extraordinário. Considerado por muitos como o melhor filme mudo já realizado, foi a primeira obra do cineasta alemão F.W. Murnau em Hollywood. Lançado em 1927, já no início dos filmes sonoros, não teve grande sucesso comercial, mas ficou há quase um século como uma experiência inesquecível. A verdade é que, depois que os filmes sonoros surgiram, exatamente naquele mesmo ano de 1927, com o O Cantor de Jazz , grande parte da experiência cinematográfica reside nos diálogos. Em Aurora , a força está nas imagens e na expressão emocional dos atores. Além disso, o filme não é totalmente mudo. Ele se utiliza de um equipamento, chamado “Movietone”, que era uma faixa de áudio, gravada num disco de vinil, que era reproduzida nas caixas de som à medida que o filme ia sendo projetado. Isso permitia uma experiência sonora completa, com músicas instrumentais e vários efeitos sonoros, como barulho do trânsito, trovões e outros. Só não há diálogos, e até mesmo os intertítulos são raros e com pouco conteúdo. A história é simples e universal, de “nenhum lugar e de todos os lugares”. Os personagens não são nomeados: eles são apenas O Homem (George O’Brien), “A Mulher” (Janet Gaynor) e “A Mulher da Cidade” (Margaret Livingston). O Homem, um fazendeiro casado, tem um caso com A Mulher da Cidade, que sugere, num encontro, que ele mate A Mulher, venda a fazenda e venha morar com ela na cidade. O Homem reluta a princípio, mas acabam arquitetando um plano: ele convidará a esposa para um passeio e a afogará no caminho. Tudo funciona perfeitamente bem, até que, dentro do barco, o homem se encaminha para a mulher, mas não consegue cometer o crime. Mas a mulher percebe que há alguma coisa errada e foge dele assim que chegam à margem. Quando enfim se reconciliam, resolvem se divertir na cidade juntos onde episódios divertidos acontecem com danças, cenas cômicas e momentos de ternura. À noite, cansados e felizes retornam ao barco, mas uma tempestade os atinge no meio do caminho de volta. #resenha #murnau
- As Invasões Bárbaras: tudo passa
As Invasões Bárbaras é um filme de 2003 que trata em seus diálogos da questão de interpenetração de mundos divergentes, de falência de ideologias e de queda de impérios e pontos de vista. Não por acaso ocorre um pouco depois da tragédia das Torres Gêmeas nos Estados Unidos. Rémy (Rémy Girard) é um professor universitário que tem uma doença terminal e está à beira da morte num caótico hospital canadense assistido unicamente pela sua ex-mulher Louise (Dorothée Berryman). Pressionada pela precariedade das condições do hospital público e pela gravidade da doença de Rémy, Louise chama o filho deles Sébastien (Stéphane Rousseau), poderoso trader de um conglomerado financeiro em Londres. Os dois não se dão bem. O filho não perdoa o pai, que deixou a família por uma vida boêmia. O pai não suporta o estilo de vida do filho, totalmente contrário às suas convicções. No entanto, é o dinheiro do filho que vai fazer com que Rémy tenha alguma dignidade em seus momentos derradeiros. Sébastien suborna o pessoal do hospital e sindicalistas para que o pai seja instalado em um andar desocupado, contrata alguns alunos para visitá-lo, entra em contato com alguns de seus melhores amigos e contrata uma viciada em morfina para dividir os efeitos da droga com o pai. Rémy não aceita a ideia de, em pouco tempo, não estar mais no mundo, mas, numa de suas “viagens” proporcionadas por Nathalie (Marie-Josée Croze), ela o faz compreender que o seu apego não é ao presente, mas ao seu passado. Ao perceber o afeto do pai pela sua antiga casa à beira de um lago, Sébastien organiza um encontro de todos ao redor do pai para conversar, beber e comer. As conversas, percebe-se, são o ponto forte do filme e giram em torno da desconstrução de ilusões da juventude, de ideologias ultrapassadas e amores ridículos. Tudo passa, e certamente o desejo de viver para sempre ou morrer uma boa morte são ilusões a mais nessa noite cheia de nostalgia. Todos viveram, talvez não tanto quanto Rémy, vidas e paixões ilusórias. Para ele, a morte chega da forma como ele finalmente desejou. #resenha #arcand
- Aguirre: loucura e poder
Aguirre, a Cólera dos Deuses , de Werner Herzog, permanece, após quase 50 anos, como um dos filmes mais assustadores já realizados. Mas o terror ocorre da própria condição da trama e não de algum elemento exterior. No dia de Natal do ano de 1560, uma expedição espanhola comandada por Gonzalo Pizarro (Alejandro Repullés), descendo as montanhas íngremes dos Andes Peruanos como pequenas formigas entre nuvens, chega à floresta tropical em busca da lendária cidade de Eldorado. Vestidos como numa parada militar, soldados carregam pesados canhões pelas trilhas barrentas, e nativos escravizados carregam liteiras com nobres senhoras, enquanto uma música compõe a cena com sons que transitam entre o sacro e a rusticidade dos índios. É a banda Popol Vuh (nome do livro sagrado dos maias) liderada por Florian Fricke. Se a música é sinistra, a presença de Klaus Kinski no papel de Don Lope de Aguirre dá o tom angustiante do desenrolar das ações. Quando a expedição se divide em dois grupos, Aguirre se rebela de forma traiçoeira e covarde contra a liderança de Dom Pedro de Ursua (Ruy Guerra), deixando este nobre ferido e indicando o inexpressivo nobre Don Fernando de Guzman (Peter Berling) para comandar a expedição. Num encontro com um casal de índios, que não conseguem ouvir a palavra de Deus numa bíblia, se expressa a arrogância dos conquistadores espanhóis. De forma oposta aos filmes de aventuras na selva, onde já se sabe que alguém irá sobreviver no final, este filme apresenta poucas alternativas ao ambiente hostil da floresta equatorial, ao rio caudaloso e às flechas dos índios. Não há cenas espetaculares, nem muitos diálogos. A fé no pensamento delirante de Aguirre, que fala em ser imperador de um reino cheio de riquezas, ou o medo deste delírio, faz com que todos o sigam. No fim, o que se vê é um claudicante Aguirre e o que restou de sua expedição flutuando à deriva no rio Amazonas em uma balsa. O discurso do alucinado comandante vai se tornando cada vez mais ambicioso sobre o futuro, enquanto pequenos macacos teimam em ocupar a balsa. #herzog #resenha
- Bacurau: metáfora em diferentes linguagens
Bacurau é um extraordinário filme brasileiro, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Nome de um pássaro, não de um passarinho, que é bravo e sai à noite, Bacurau é uma cidade literalmente esquecida do sertão do estado de Pernambuco. Tão esquecida que não tem água potável, nem vacinas, nem livros nas escolas. Tão esquecida que caixões passaram a ser itens da cesta básica, e as notícias chegam via whatsapp ou através de um DJ estrategicamente estacionado na entrada da cidade. A história tem início com o retorno de Teresa (Barbara Colen), de carona em um caminhão-pipa, para o enterro de sua vó Carmelita (Lia de Itamaracá), a matriarca da vila e líder religiosa. Presume-se uma tensão entre religião e ciência durante o velório, na reação explosiva de dona Domingas, a responsável pelo posto de saúde, vivida com maestria por Sônia Braga. Após o velório, fatos estranhos começam a acontecer: uma lambreta pilotada por um curandeiro indígena é perseguido por um disco voador, o caminhão-pipa é atacado a tiros, a cidade desaparece do Google Maps e vários corpos, inclusive de crianças, começam a aparecer nas proximidades. Um casal de brasileiros (Karine Teles e Antonio Saboia) que se diz “do sul, daquela parte mais rica do Brasil onde existem colônias europeias” chega à cidade fazendo trilha e instala um artefato que silencia todos os celulares. Descobrimos que estão a serviço de um grupo de americanos, estabelecidos numa fazenda próxima que, sob a chefia do alemão Michael (Udo Kier), estão dispostos, e armados com armas vintage, a dizimar toda a população da aldeia. Um dos moradores, Pacote (Thomas Aquino), busca a ajuda do bando de Lunga (Silvero Pereira) que estava escondido nas proximidades, para defender a cidade. Quando a carnificina tem início, o alemão se coloca na periferia da cidade com um fuzil de precisão apontado para as ruas. Curiosamente, neste ano de 2019, após a estreia do filme, cinco crianças de comunidades pobres foram assassinadas por policiais no Rio de Janeiro. #mendonçafilho #dornelles #resenha
- História de um Casamento: aquilo do qual nunca se fala
O fio condutor de História de um Casamento parece ser o divórcio, mas o que o diretor Noah Baumbach revela é um vislumbre da vida real em uma relação entre duas pessoas. Aquilo do qual nunca se fala, sobre afetos opostos e indesejáveis que vêm à tona, e o que se vê são duas pessoas que verdadeiramente se amam tomando atitudes impensáveis e desleais entre si. No início do filme, é possível conhecer as qualidades dos dois protagonistas através de uma descrição que cada um fez sobre o outro a pedido de um mediador. Descobrimos que Nicole (Scarlett Johansson) é uma mãe amorosa, ótima ouvinte, preocupada com a mãe e a irmã, e nunca fecha a porta dos armários. Charlie (Adam Driver), por sua vez, é um talentoso e criativo diretor de teatro, extremamente competitivo e devora suas refeições com rapidez. Entrar na intimidade do casal, que já passou por crises anteriores, dificulta a vida do espectador acostumado a tomar partido de um dos lados. É lógico que surgem alguns podres do casal. Charlie já traiu Nicole uma vez e raramente leva em conta as necessidades pessoais dela. Nicole vai a Los Angeles filmar o piloto de uma série de TV e meio que sequestra o filho do casal para morar definitivamente lá, fato que Charlie só toma conhecimento quando é surpreendido com os papéis do divórcio. As atuações reforçam essa ideia de documentário: tanto Adam Driver quanto Scarlett Johansson são absolutamente convincentes em suas performances. Cada um recebe do diretor um monólogo: Charlie no bar e Nicole com a horrível Nora Fanshaw (Laura Dern, fantástica!). Além disso, há um diálogo, ou melhor, uma discussão impensável, aquele famoso round final em que se fala o que não deve e ouve-se o que assusta. Raramente o filme soa convencional ou excessivo, como nos números musicais que talvez funcionassem melhor no teatro. Mas em geral é um filme maravilhoso, uma obra de ficção que consegue arranhar a vida real, e nos faz ficar com aquela sensação de que o casal deveria ficar junto, mesmo sabendo que não iria funcionar. Ou talvez funcionasse. #mendonçafilho #dornelles #resenha
- Um Homem com uma Câmera: experiência visual incomparável
Um Homem com uma Câmera é uma das experiências visuais mais revolucionárias já realizadas sob a forma de filme. O diretor Dziga Vertof buscou desafiar vários modelos em voga no ano de 1929. Um desses parâmetros é a duração média dos planos (ASL em inglês), que mede a duração total de um filme dividida pelo número de planos. Os filmes mudos da época tinham uma ASL de 11,2 segundos, e a esposa do diretor, Yelizaveta Svilova, conseguiu a proeza de editar Um Homem com uma Câmera em 2,3 segundos, uma marca semelhante aos filmes modernos. Vertof muda também a forma teatral com a qual os filmes eram produzidos, e aposta numa linguagem alternativa, fazendo questão de afirmar, na abertura do filme, que ele não possuía cenário nem intertítulos e nem atores. Apenas uma sucessão de imagens e uma trilha sonora com andamento rápido. A proposta do filme é retratar as 24 horas de um único dia em uma cidade da Rússia. Na verdade, esse único dia foi filmado em quatro anos e mostrou imagens de três cidades: Moscou, Kiev e Odessa. O trabalho resultou em cerca de 1775 planos distintos registrados pela cinematografia de Mikhail Kaufman, irmão do diretor, talvez o único personagem. No início do filme, uma divisão de imagem apresenta a ilusão de uma filmadora gigante com o cinegrafista e sua máquina de filmar com tripé em seu topo. A cena muda para um cinema onde as cadeiras cujos assentos, até então com levantados, começam a baixar automaticamente para a entrada do público que vai assistir ao filme, este filme. O que se segue é um belíssimo exercício de metalinguagem: à medida que as imagens sobre diversos assuntos são mostradas, também é mostrado o cinegrafista filmando, ora em cima de um caminhão ora nas profundezas de uma mina de carvão e até mesmo sendo quase espremido por dois bondes que se cruzam. O final é um crescendo onde as etapas de edição do filme vão sendo mostradas junto com novas imagens em cortes que “saltam”, a movimentação se acelera, a música se torna frenética até o fechamento do obturador junto com um olho humano. #mendonçafilho #dornelles #resenha
- Fargo: único e incomparável
Fargo tem início com uma tela branca e, à medida que os créditos iniciais vão surgindo, aparece a paisagem gelada de Dakota do Norte, com o estranho voo de um pássaro no meio da neve. Há um alerta de que a história conta um fato real acontecido em Minnesotta em 1987, mas que os nomes reais foram trocados “em respeito aos mortos”. As locações foram feitas nos dois estados vizinhos, e nas cidades onde ocorreu a tragédia. Parece um filme feito “em casa”, visto que os realizadores, os irmãos Cohen, Ethan e o diretor Joel, foram criados Minneapolis. Toda expectativa cai por terra à medida que a história vai evoluindo, chegando ao ponto de não se saber ao certo se estamos assistindo a uma tragédia, como prometido, ou uma sátira, passando por comédia, suspense ou policial. É um filme único, incomparável, onde transições ocorrem de forma suave, e até mesmo a violência parece “natural”. A história gira em torno de um vendedor de carros fracassado, Jerry Lundegaard (William H. Macy) que necessita desesperadamente de dinheiro para um negócio que pode salvá-lo da falência e também da dominação do seu sogro rico (Harve Presnell) que não por acaso é o dono da agência de carros onde Jerry trabalha. Para viabilizar seu investimento, Jerry resolve contratar dois pilantras esquisitos chamados Showalter e Grimsrud (Steve Buscemi e Peter Stormare) para sequestrar sua esposa Jean (Kristin Rudrud) e dividir o resgate de 80 mil dólares, a ser pago pelo sogro Wade. Simples assim. Só que não, pois tudo dá errado e todas as expectativas se transformam em pesadelo das formas mais surpreendentes possíveis. Na metade do filme, alguns corpos começam a aparecer, congelados. Chamada para investigar os possíveis assassinatos, a chefe de polícia da cidadezinha fronteiriça de Brainerd, Marge Gunderson (Frances McDormand), também tem um perfil inesperado: grávida, precisa ter sua viatura empurrada para o motor pegar e, antes de ir para a delegacia, passa no mercado para comprar minhocas para o seu marido Norm (John Carrol Lynch) pescar. #resenha #coen
- Rastros de Ódio: épico e belo
Rastros de Ódio é um dos filmes mais épicos e belos de John Ford. A cinematografia magnífica de Winton C. Hooch já se faz presente na cena inicial do filme quando, de dentro do rancho de Aaron Edwards (Walter Coy), vemos sua esposa Martha (Dorothy Jordan) abrir a porta para a paisagem ensolarada do Texas no ano de 1868. Pela estrada poeirenta, percebemos, como se fizéssemos parte da cena, a chegada do irmão de Aaron, Ethan (John Wayne), um soldado confederado que se gaba de nunca ter sido derrotado e que, durante três anos, se tornou um andarilho, levantando suspeitas sobre suas atividades. Analisar o filme hoje obriga a uma reflexão sobre a cultura da época, que enxergava os índios como selvagens a serem exterminados. A postura de Ethan é totalmente racista, chegando a discriminar o jovem Martin Pawley (Jeffrey Hunter) que ele resgatou de um ataque de índios, mas que, por possuir um “oitavo de sangue comanche”, não é digno de conviver com família, segundo o veterano de guerra. No entanto, essa postura será revista por algumas ocorrências do enredo que virão a seguir. A grande questão do filme é uma busca incansável pela sobrinha de Ethan, Debbie (vivida na adolescência por Natalie Wood), raptada pelos índios comanches, depois de assassinarem toda a família e queimarem o rancho. Passados cinco anos, apenas dois homens permanecem na busca, mas por motivos diferentes: Ethan pretende matar a garota, que teria se tornado presa de algum comanche, enquanto seu indesejado companheiro de jornada, o jovem Pawley quer resgatar a irmã de criação a todo custo. Além disso, a convivência dos dois homens de personalidades tão diferentes serve para diminuir as diferenças entre ambos, e acrescentar ao velho cowboy um pouco de humanidade, além de amenizar alguns aspectos de sua mente perturbada. Quando ocorre enfim o esperado confronto com a tribo do chefe Scar (Henry Brandon), Debbie corre em desespero do tio Ethan, que tem seu caminho barrado por Pawley. O final, surpreendente para os padrões da época, prenunciava uma nova era para os filmes de faroeste. #ford #resenha






















