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  • O que não te contaram sobre a IA: ela é só uma tecnologia “normal”

    Estudo trata IA como tecnologia normal, não uma superinteligência, e se baseia em revoluções tecnológicas do passado para projetar implantação gradual. Imagem: Feepik Já estamos bem grandinhos para saber que o hype tecnológico é praticamente um traço estrutural do capitalismo moderno. Em mercados saturados, a busca incessante por diferenciação é condição de sobrevivência em uma arena de venture capital ávida por narrativas disruptivas para justificar seus valuations. Nesse sentido, o capitalismo não vende só produtos, mas também sonhos de futuro. Mas, será que, no caso da inteligência artificial, os atores de mercado não pesaram a mão? Os constantes padrões de versionamento apontam para uma inteligência artificial que surgirá, dizem as mídias, como uma espécie de buraco negro. Dessa “singularidade”, que já está batendo às nossas portas, “nenhum setor escapará”, dizem influencers, gurus tech, políticos e até alguns acadêmicos em busca de proeminência. “A IA vai transformar TUDO”, alerta a comunidade AI Safety. “Adapte-se ou morra", afirmam os histéricos do FOMO (medo de perder algo). Agora, um paper e projeto de livro, publicado em abril pelo Knight First Amendment Institute da Universidade de Columbia , nos EUA, traz uma brisa refrescante tanto às brumas de uma visão distópica de um cenário apocalíptico sem base empírica, como ao incenso doce e enjoativo da visão utópica. Para os autores desse ensaio de reflexão pública, Arvind Narayanan e Sayash Kapoor, respectivamente professor de computação e doutorando da Universidade de Princeton, a IA é “uma tecnologia normal”, assim como outras “tecnologias transformadoras de uso geral, como eletricidade e internet”. Inovação em IA é rápida, adoção é lenta O estudo lembra que outra revolução tecnológica — a eletrificação industrial — demorou 40 anos para ser implantada. Imagem: karlyukav/Freepik De acordo com o estudo, o grande problema do atual debate sobre IA é que ambos os lados a colocam na posição de agente autônomo, capaz de tomar decisões por conta própria e escolher, por si, os destinos da humanidade, atribuindo-lhe uma “autonomia plena” que a deixaria fora do controle humano. Quando falam em “tecnologia normal”, Narayanan e Kapoor estão na verdade rejeitando esse determinismo tecnológico. A partir de transformações históricas, os pesquisadores destacam que são as instituições humanas — e não a “vontade da tecnologia” — que moldam os impactos sociais da IA.   A afirmativa funciona, ao mesmo tempo, como uma descrição do presente (como a IA realmente é hoje), uma previsão de futuro (aposta sobre sua trajetória mais provável) e uma prescrição da forma como deveríamos tratá-la, aí incluídas orientações sobre políticas e comportamentos desejáveis. “Não achamos que ver a IA como uma inteligência semelhante à humana seja atualmente preciso ou útil para entender seus impactos sociais”, afirmam os autores no estudo. Da mesma forma, essa perspectiva antropomórfica não fornece uma base para antecipar desenvolvimentos futuros ou orientar decisões.   Mas talvez uma das contribuições mais importantes do estudo seja distinguir entre a criação e a adoção da IA. Embora 40% dos americanos já tenham experimentado IA generativa, eles a utilizam pouco — apenas algumas horas por mês, não por dia. Ou seja, as pessoas precisam reaprender como trabalhar. Fazendo uma analogia com a Revolução Industrial, o estudo lembra que a eletricidade levou 40 anos para realmente transformar as fábricas, porque não era apenas uma questão de conectar uma tomada. Foi necessário redesenhar tudo: layout das máquinas, processos de trabalho, estrutura das empresas. A grande lição da eletricidade e o futuro da IA Na Revolução Industrial, os operários passaram a supervisionar as máquinas. Imagem: Reprodução/United Artists O paralelo entre a chegada da eletricidade na Revolução Industrial e a introdução da IA não é casual. A verdadeira transformação só ocorreu quando os empresários perceberam que poderiam colocar motores elétricos individuais em cada máquina. Passado mais de um século, a IA pode estar passando pelo mesmo processo. Hoje, muitas empresas e pessoas estão simplesmente "plugando" IA em processos existentes , como usar ChatGPT para escrever emails ou automatizar tarefas pontuais. Mas isso significa encarecer essas tarefas. A verdadeira transformação, assim como o uso efetivo da tecnologia só virá com um redesenho completo dos modelos de negócios, das profissões, das rotinas de trabalho e até mesmo das estruturas sociais. Ironicamente, a crença de que a IA irá criar formas totalmente novas de produzir, interagir e viver é o que alimenta o hype. Assim como na Revolução Industrial os operários passaram a supervisionar máquinas, os empregos do futuro tenderão a focar em configurar, monitorar e supervisionar sistemas automatizados. Narayanan e Kapoor alertam que, sem supervisão humana, a IA pode cometer erros frequentes que poderiam inviabilizá-la comercialmente. Apesar de uma certa complacência com os impactos na empregabilidade e algumas previsões excessivamente categóricas sobre a supremacia humana, o paper cumpre seu propósito: oferece uma perspectiva equilibrada entre dois cenários extremos e sugere políticas fundamentadas em lições históricas ao invés de especulação.

  • Jurado nº 2: entre a culpa e a condenção

    Jurado nº 2 , que rumores apontam como o último filme dirigido por Clint Eastwood, é uma obra que expressa inconformismo com a forma pela qual a justiça é feita nos Estados Unidos. No roteiro, às vezes cínico, de Jonathan A. Abrams o próprio sistema judiciário é julgado pela forma como interesses próprios se sobrepõem. Isso vai desde o jurado Justin (Nicholas Hoult), que pretende voltar logo para casa, pois sua esposa Allison (Zoey Deutch) está prestes a ter um bebê, como a promotora Faith (Toni Collette), que pretende “fechar” logo o caso, pois está em campanha eleitoral.   Ao chegar ao tribunal em Savannah, Geórgia, Justin está preocupado com a esposa, que teve uma gravidez frustrada anteriormente. Ele se concentra e torce para uma unanimidade no júri, até perceber que o culpado pelo atropelamento da vítima do crime pode ter sido ele próprio . Em recuperação do alcoolismo, Justin estava no bar onde o réu, James (Gabriel Basso) teve uma séria discussão com sua namorada Kendell (Francesca Eastwood, filha do diretor) em uma noite chuvosa. Ela saiu sozinha para voltar para casa, ele a seguiu em sua caminhonete, e algum tempo depois ela foi encontrada morta.   Eastwood faz tudo para “atrasar” o veredito O crime é reconstruído através das versões da promotora Faith e do advogado de defesa Eric (Chris Messina), enquanto Justin lida com seus próprios flashbacks fragmentados da noite do suposto homicídio. Quando os jurados são chamados a deliberar, o que se percebe é que os dois lados têm argumentos fracos: embora o réu seja claramente suspeito, a autópsia é inconclusiva e a única testemunha não se revela confiável. Eastwood faz tudo para “atrasar” o consenso do júri, onde o policial aposentado Harold (J.K. Simmons) começa a duvidar da versão da promotora, enquanto o jurado Marcus (Cedric Yarbrough) tem certeza da culpa do réu. Atormentado pelas suas memórias, Justin se opõe à condenação rápida, mas sem se expor, pois sabe que ninguém acreditaria que ele não bebeu naquela noite . Após o julgamento ser concluído, a vida volta ao normal para todos, Faith vai até a casa de Justin. Ele atende à porta, e os dois ficam frente a frente em silêncio.

  • Caixa de Pandora: sedução e tragédia

    Caixa de Pandora é uma analogia utilizada pelo promotor de justiça para acusar de assassinato a atriz Lulu, amante do respeitável editor Ludwig Schön, vítima do crime, que frequentava o apartamento da moça em Berlim. Lulu talvez seja a primeira personificação no cinema do que veio a ser chamado de femme fatale , o arquétipo feminino da anti-heroína, muito popular nos filmes noir da década de 1940. A atriz Louise Brooks surge na tela silenciosa e em preto e branco como uma luz que contagia. Parece sair da cena e provocar os espectadores com seus trejeitos sensuais e ao mesmo tempo ingênuos. A atriz se torna a principal atração de uma peça de teatro de revista produzida pelo filho do editor, Alwa, também encantado pela jovem. Amiga de Alwa e responsável pelos figurinos da produção, a Condessa de Geschwitz revela a sua clara homossexualidade e também uma paixão incontrolável por Lulu. A decisão de levar sua futura esposa aos ensaios da peça causa um grande transtorno a Schön que, tentando convencer Lulu a se apresentar (ela se recusava a dançar com a noiva do editor presente), acaba sendo flagrado numa situação comprometedora que o obriga a se casar com a atriz. Há um personagem no filme, o velho Schigolch, que não identificamos se é o pai de Lulu, como ela afirma, ou o seu antigo cafetão, às vezes não tão antigo assim. As aparições desse enigmático senhor, geralmente em companhia do acrobata Rodrigo, causam os maiores mal-entendidos da história, fato que não seria diferente na festa de casamento de Lulu e Schön, onde uma cena caricata acaba se transformando numa tragédia. Aliás, tragédias se sucedem e acabam atingindo todos que, de uma forma ou de outra, se envolvem com Lulu. Esta, no entanto, age como se não fosse parte do ocorrido. Levada pelas circunstâncias, ela acaba indo residir num navio-cassino onde é vítima de um suspeito marquês, que a vende para um egípcio. Na parte final do filme, faminta e quase congelada pelo frio de Londres, Lulu resolve se tornar uma prostituta, sem saber que seu primeiro cliente será Jack, o Estripador. #pabst #resenha

  • Assunto de Família: lágrimas aos olhos

    O Assunto de Família não fica claro no título em português. No original em japonês, fica explícito que os membros da “família” Shibata são contumazes ladrões de loja. No entanto, não é somente essa atividade que os une. A família apresenta fortes laços exceto os de sangue, pois é a necessidade que faz esse aglomerado de pessoas se apoiarem e funcionarem como uma família de verdade. A matriarca Hatsue, a Vovó, vive de uma pequena pensão recebida do ex-marido desde o divórcio. Hoje morto, o marido continua recebendo homenagens póstumas. Na casa, minúscula, ainda vivem o Papai e a Mamãe, Osamu e Nobuyo, que descobriremos mais tarde terem se unido num episódio marcante e traumático. Ele é ajudante de pedreiro e ela trabalha numa lavanderia, recolhendo, aqui e ali, pequenas bugigangas esquecidas nos bolsos das roupas. Ainda vivem na casa um garoto de aproximadamente 10 anos de idade (que dorme num armário), e a jovem Aki, neta do ex-marido de Hatsue, que trabalha como “acompanhante” num clube, onde se exibe para clientes. Na cena inicial, Osamu e o garoto Shota voltam para casa após um coreografado furto em um mercado (embora tenham esquecido o xampu), quando se deparam com uma menina de uns 5 anos deixada na varanda de sua casa, provavelmente por seus pais violentos e negligentes. Temendo que a garotinha Yuri morra de frio, eles a levam com eles para o seu lar, onde ela é, a princípio, rejeitada, e posteriormente “adotada” pela família. Embora a garota passe a ser mais tarde procurada pela polícia, os Shibatas não se preocupam pois, em seu código particular de ética, entendem que só há sequestro se houver pedido de resgate. Da mesma forma, acreditam que não há roubo se os bens ainda não tiverem sido vendidos a outras pessoas, exceto se a loja que os vende estiver falindo. Hirokazu Kore-eda constrói um filme minimalista e belo como se fosse uma grande cebola que fôssemos descascando aos poucos até descobrir, entre camadas ácidas, um núcleo que traz lágrimas aos olhos. #koreeda #resenha

  • Veludo Azul é um filme estranho

    Difícil encontrar na constelação de filmes de David Lynch uma obra com tamanha crueza e, ao mesmo tempo, com certa coerência incomum aos trabalhos do diretor. Começando como uma sátira ao American Way of Life , o filme apresenta uma cidade chamada Lumberton com gramados, flores e bombeiros gentis. Após um acidente doméstico, a câmera desce ao nível do solo, onde revela uma comunidade de insetos, como a dizer que, sob uma bela paisagem, subjaz muita corrupção e sujeira. Veludo Azul muda então o rumo do enredo para filme de mistério: Jeffrey, um estudante universitário filho do homem acidentado na cena inicial, retorna de uma visita ao hospital quando encontra, num terreno baldio, uma orelha humana, que leva em um saquinho ao policial Williams, seu vizinho. Só que, ao invés de deixar a investigação a cargo dos profissionais, o rapaz resolve acompanhar o caso por sua conta, e pior, com a ajuda da filha do policial, a bela e sonhadora Sandy. Não demora para que o casal descubra uma relação entre o evento e a cantora de boate Dorothy Valens. Indo ao apartamento da mulher, Jeffrey não apenas descobre que o marido dela (o dono da orelha) e seu filho pequeno foram sequestrados, como testemunha que o sequestrador, o gangster Frank, transformou a cantora em sua escrava sexual. Com a partida de Frank, Jeffrey é descoberto por Dorothy. Tem início, a partir daí, um improvável relacionamento. Sentindo-se segura com o jovem, a cantora o abraça e pede que ele... a espanque. Essa ambiguidade poderia se tornar o novo fio do condutor do filme: até que ponto a relação abusiva do psicopata Frank pode ser prazerosa para Dorothy, e o quanto Jeffrey irá mergulhar no solicitado papel de perpetrador? Ainda perdidos nessas questões, somos surpreendidos, junto com Jeffrey, pelo enlouquecido Frank (talvez uma das melhores performances de Dennis Hopper) que entra em cena e retoma o tema anterior. Se existe uma (improvável) tentativa de final feliz, como no sonho de Sandy com pintarroxos, percebemos que se trata, efetivamente, de um sonho. Ou pesadelo. #resenha #lynch

  • Cafarnaum: legião de heróis descartáveis

    Habitantes de um universo capitalista, é natural que, ao irmos ao cinema, nos encantemos com as maravilhas que revelam onde o capital está. Cafarnaum subverte essa lógica, mostrando, ou praticamente jogando na tela, onde não está o capital. Pessoas que ficam à margem da distribuição de renda são comumente chamadas de “economicamente vulneráveis”. O filme não se detém em questões políticas ou morais, mas deixa claro que, se há vulnerabilidade no mundo, nenhuma é maior do que a vivida pelas crianças. Zain é um garoto de aproximadamente 12 anos (nem os pais sabem quando ele nasceu) entrando algemado em um tribunal de Beirute. Imaginamos logo que se trata “naturalmente” de algum tipo de delinquência que “esse tipo de gente” comete. Porém, através das narrativas, descobrimos que não. Ele já está cumprindo pena há alguns anos por esfaquear um homem. O que se trata aqui é de uma ação, proposta pelo menino, contra seus pais por terem cometido o “crime” de colocá-lo no mundo. O filme é uma sucessão de flashbacks que (não) explicam a história de Zain, mas traçam um perfil do universo infantil num lugar onde as crianças vêm ao mundo dentro de um discurso religioso que encobre uma maldade ímpar dos pais. Ignorantes, viciados e acomodados, eles não se importam nem um minuto em se preocupar com o destino dos filhos. Não sabem quando nasceram, onde estão, não os mandam para a escola e, se surge uma oportunidade de lucro, não se importam em “rifar” uma filha menor à luxúria onipresente dos predadores humanos. Fugindo de casa, Zain recebe, talvez pela primeira vez na vida, um pouco de afeto e atenção de uma imigrante ilegal etíope Rahil e passa a cuidar do filho dela, o bebê Yonas, que, em virtude da prisão da mãe, se torna uma missão de vida para o menino. Zain se transforma num herói: agiganta-se, é resiliente, inventa estratégias inacreditáveis. No entanto, os vilões somos muitos, uns porque caçam, outros porque não se importam, outros porque negam a realidade. A vitória é impossível, assim como essa legião mundial de heróis é descartável. #labaki #resenha

  • O Atalante é pura poesia

    O Atalante conta uma história singela, porém, como ocorre nas obras de arte, é a forma de contar que coloca o filme como uma experiência poética. Realizado em 1934, as cenas parecem, a princípio, repetir a vocação de documentarista do diretor Jean Vigo (que morreria antes da distribuição do filme), retratando um casamento em uma cidade do interior. Como saídos de uma comédia muda, dois homens apalermados correm antes dos convidados para preparar uma recepção à noiva no barco L'Atalante , que faz viagens pelo rio Sena entre Le Havre e Paris. Não há festa de casamento e, ainda de vestido de noiva, Juliette é, literalmente, içada a bordo pendurada na retranca das velas. Logo a moça descobrirá que estar casada em um barco representa conviver não apenas com seu marido, o jovem capitão Jean, mas também com seu imediato, o velho Papai Jules com seus gatos e um grumete. É inevitável que a nova moradora entre em conflito com os hábitos nada higiênicos dos três marinheiros. Não há grandiosidade no filme, a não ser quando Juliette ouve, no rádio, que o barco está chegando a Paris. O capitão a convida para uma noite na Cidade-Luz, mas a aventura é frustrada porque Jules sai para uma de suas bebedeiras. Mais tarde, Jean passeia com sua amada pelos cafés e salões de Paris, onde Juliette encontra um chapliniano mágico que flerta e dança com ela, sob o olhar raivoso de Jean. O episódio com esse personagem acaba por despertar em Juliette um desejo de conhecer mais a cidade, que não é uma deslealdade a Jean, mas um arroubo de uma menina do interior deslumbrada pela cidade grande. Quando ela sai do barco sozinha, Jean é tomado de ciúme e antecipa a partida, deixando-a na cidade. A separação é dolorosa para ambos. Ela sofre as violências e o descaso da cidade. Ele sofre pela ausência da esposa. O diretor conduz as desventuras de ambos com leveza e, embora a dor fique clara, não há nada mais do que a certeza de um ato pueril de ciúme. Experiente, o velho Jules sabe que o capitão nunca voltará a ser o mesmo até que Juliette retorne a bordo. #resenha #jeanvigo

  • Em Chamas é explosão de angústia

    Não há como analisar Em Chamas sem fazer algum tipo de referência ao revolucionário Blow-Up de Michelangelo Antonioni. Da mesma forma que o filme italiano de 1966, a obra do sul-coreano Chang-dong Lee trata de um crime que pode ter acontecido. Ou não. Além disso, um elemento-chave no enredo é a pantomima. Após encontrar Jongsu, antigo colega de uma aldeia rural perto da fronteira com a Coreia do Norte, Haemi, que trabalha como dançarina na porta de uma loja, faz uma pantomima que captura a atenção do rapaz: ao simular a degustação de uma tangerina, sugere que ele não imagine que a fruta esteja ali, apenas esqueça que não está. Diz ela: “Se você realmente quiser comer a tangerina, sua boca vai salivar e o gosto será ótimo”. Haemi faz uma viagem ao deserto do Kalahari para conhecer os bosquímanos, e deixa Jongsu responsável por alimentar seu gato. O animal é outro enigma do filme porque nunca é visto (ou talvez uma única vez), embora consuma a comida e encha a caixa de areia. Quando retorna da África, Haemi está em companhia de Ben, um homem rico que mora em um grande apartamento, dirige um Porsche e tem inúmeras obras de arte. Além de ciúme, Jongsu tem uma percepção de que Ben, a quem define como um “gatsby” (referência ao romance de Scott Fitzgerald), não é uma boa pessoa. Há uma cena belíssima em que os três se encontram em frente à pequena fazenda de Jongsu e fumam maconha, enquanto Haemi dança o ritual dos bosquímanos representando a Grande Fome, ou conhecer o significado da vida. Ben desdenha a arte da moça e revela a Jongsu que seu passatempo é incendiar estufas de áreas rurais. Após essa cena, o filme se torna caótico, angustiante e enigmático. A direção é econômica e a calma do suposto vilão só faz aumentar o desespero. Será que estamos vendo o que desejamos ver e não o que é real? Jongsu, tomado por dúvidas, inicia uma busca paranoica por um crime que pode ou não ter ocorrido. Parafraseando o filme italiano, o final é uma explosão (blow up) de angústia. A solução é inesperada, embora previsível. Vemos algo real, em chamas, acontecendo. #resenha #changdonglee

  • Guerra Fria: intensidade inexplicável

    Guerra Fria é um filme surpreendente em todos os aspectos. A começar pelo formato da tela 4:3, quase quadrada, em contraste com a moderna tendência das produções em widescreen . A fotografia belíssima, do jovem cinematógrafo polonês Łukasz Żal, apresenta um preto e branco resolvido num claro-escuro impactante e intimista. Acompanhando a trajetória de um casal improvável, um maestro que pesquisa canções folclóricas e uma cantora e dançarina, o filme relata o relacionamento de 15 anos, ocorrido principalmente nos anos 50s, que, em qualquer outra produção, seria uma epopeia, mas aqui se reduz a cenas rápidas de uma paixão que transita entre a intensidade inexplicável e a impossibilidade desafiada. Embora o tempo seja linear, ocorre em espaços irregulares e sem nenhuma dica sobre quando a cena ocorre. É como se o roteiro quisesse provar a todo instante que a realidade sempre se encarrega de demolir todos os planos e sonhos. Assim é que o grupo de tradições polonesas que pretende representar a verdadeira arte rural acaba “aparelhado” pelo partido comunista, desfraldando um gigantesco pôster de Lenin. O músico Wiktor convida sua amada Zula para atravessar a fronteira para o ocidente em Berlim (ainda não havia o muro), mas a moça tem outras prioridades. A partir desse primeiro desencontro, outros ocorrem. Paris não corresponde ao ideal sonhado por Wiktor, que se torna pianista de um clube e faz trilhas sonoras para filmes de terror. Eventualmente eles ficam juntos, mas a relação não dá certo. O músico tenta voltar à Polônia, vai à Iugoslávia assistir a uma apresentação da trupe Mazurek só para ver Zula, mas nada disso igualmente funciona. O final do filme é de uma beleza arrebatadora. Após passar por todas as desventuras e conseguir ultrapassar barreiras geográficas, políticas e psicológicas, o casal, que tem o nome dos pais do diretor Pawlikowski, finalmente soluciona a questão de permanecerem juntos. Para todo o sempre. #resenha #pawlikowski

  • Blow-up: pretensão magnificada?

    Blow-up , obra-prima de Antonioni, foi um filme absolutamente revolucionário em 1966 e, decorridos mais de 50 anos, apresenta alguns elementos indicativos daquilo que hoje chamamos de modernidade líquida. A história, baseada num conto curto de Julio Cortázar, acompanha a vida de um fotógrafo de moda londrino. Dividindo seu trabalho entre fotos artísticas (para um livro) e ensaios com modelos reais, Thomas experimenta uma espécie de fastio pela liberação completa dos costumes, traduzida por festas psicodélicas, sexo livre e consumo de drogas. Para um espectador do século XXI, o que choca no filme é a forma estúpida e totalmente inadequada com a qual o fotógrafo trata as mulheres: são insultadas, esculhambadas e abusadas de todas as formas. É como se o protagonista tivesse experimentado todos os prazeres possíveis e nada mais o surpreendesse ou reprimisse. Fotografando aleatoriamente em um parque, registra o encontro de um casal, cuja natureza do relacionamento jamais saberemos. No entanto, a mulher segue Thomas até seu estúdio e tenta de todas as formas, até por sedução, obrigá-lo a entregar o rolo de filme. O fotógrafo entrega um rolo qualquer e a mulher vai embora deixando seu telefone. Falso. A revelação das fotos mostra que um crime de assassinato pode ter ocorrido. Uma ampliação ( blow-up ) revela alguns detalhes que podem ser investigados pelo fotógrafo e também pela curiosa plateia: uma arma escondida e um corpo que, mais tarde, Thomas constata ainda estar no local. Ao retornar à casa, Thomas verifica que todas as provas e negativos foram roubados. Sai a esmo pela cidade e a vista a enigmática mulher, Jane, numa fila de cinema, mas, novamente junto com os espectadores, o fotógrafo a perde de vista. Retornando mais uma vez ao parque, onde o corpo desapareceu, Thomas é convidado, por uma trupe de estudantes fazendo pantomima, a devolver uma bola de tênis para disputarem um jogo imaginário. Quando ele devolve, ouvimos o barulho da bola. Em seguida, Thomas também desaparece. #resenha #antonioni

  • Asas do Desejo: por que eu sou eu e não você?

    Asas do Desejo , tradução horrorosa do original em alemão Céu sobre Berlim , é um filme magnífico. Do teto da igreja Gedächtniskirche, na então Berlim Oriental, um ser que desconfiamos seja um anjo (por um par de asas que logo se esvai) observa a cidade, bela, pétrea e sombria. A fotografia em preto e branco, formando um tom cinza azulado, foi uma descoberta do histórico cinegrafista Henri Alekan (do clássico A Bela e a Fera de 1946) para mostrar o ponto de vista dos anjos, Damiel e Cassiel, que, desde os primórdios do planeta, tudo observam mas pouco interferem no curso dos fatos, a não ser, por exemplo, algumas palavras no ouvido de um suicida, infrutíferas. As cenas vistas pelos seres humanos são coloridas. O filme flui com uma angelical tranquilidade, com os dois seres imortais transitando por bibliotecas, praças e monumentos. As asas da deusa Vitória, estátua da Coluna da Vitória, cartão-postal de Berlim, servem de abrigo para Damiel que resolve se transformar em humano para, entre outras coisas, poder alimentar o gato ou tirar os pés do sapato debaixo da mesa. Há outros personagens marcantes no filme, que interagem com os anjos, como o ator americano Peter Falk que não representa: é o eterno detetive americano, mas, estranhamente, sente a presença de Damiel, interage com ele e ainda o desafia a esfregar as mãos para aquecê-las. Há ainda o poeta Homer, homenagem a Rainer Maria Rilke, cuja poesia inspirou o filme. Finalmente, a trapezista Marion é a presença feminina, instável, depressiva. Existe nela uma dor que pode ser a mesma dor da solidão que Damiel carrega pela eternidade. Quando se torna humano, e se junta à bela trapezista, experimenta "o total espanto causado pelo homem e pela mulher, conhecimento que nenhum anjo é capaz de atingir". Quando termina, o filme promete uma sequência, que ocorreria em 1993. Para o espectador, que não consegue evitar se identificar com os anjos, restam as estrofes da poesia do roteirista Peter Handke que fala de perguntas infantis: “Por que eu sou eu e não você? Por que estou aqui e não ali?”. #wenders #resenha

  • O Ano Passado em Marienbad: como assim?

    Ano Passado em Marienbad é um filme diferente de tudo que se viu no cinema. Muitos o chamam de experiência cinematográfica, e não se sabe se é uma experiência do público na busca de novas linguagens ou uma experiência dos realizadores, o diretor Alain Resnais e o roteirista Alain Robbe-Grillet, para testar a resiliência dos espectadores. Não que o filme seja tóxico. Ao contrário, Ano Passado é belíssimo, com uma cinematografia impecável, uma direção de arte perfeita e uma edição absolutamente revolucionária. Mas o que torna a obra controversa é a sua recusa em fornecer qualquer tipo de gratificação à audiência. A começar pelos personagens que nem são nomeados. Temos protagonistas identificados no script pelas letras A, X e M. O que significam essas letras? Seriam iniciais? Não se sabe. O enredo, a princípio simplista, vai se revelar mais tarde bem mais confuso do que parece. Num castelo barroco, que poderia também ser um hotel ou uma mansão, X é um homem que busca reatar um possível romance iniciado no ano anterior com A, uma bela mulher. Só que esta não se lembra do affair e nem mesmo de X, embora ele afirme que havia uma promessa de ambos fugirem juntos. Para contrapor essa insistência, facilmente classificada como assédio nos dias atuais, temos M, homem enigmático, jogador inveterado, que tanto pode ser o marido de A, como algum tipo de protetor. A ação (se assim pode ser chamada) é toda encenada, com muitos personagens permanecendo imóveis e outros se movendo, os poucos diálogos na maioria das vezes referem-se a acontecimentos fortuitos, totalmente irrelevantes, que, quando chegam a um impasse, são “conferidos” na biblioteca. Cenas se repetem infinitamente, muitas vezes descritas em off, o cenário não confere com o que é narrado e os personagens se envolvem e se afastam. Parece acontecer uma tragédia, ou um acidente, mas, ao final, X relata à audiência que A aceitou ir embora com ele, embora não saibamos ao certo se se trata de realidade, ou pura ilusão. Como sói no cinema. #resnais #resenha

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