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  • Aranhaverso: universos paralelos à animação

    Homem-Aranha: No Aranhaverso é um filme que ultrapassa o conceito raso de animação e lança (teias?) numa trama bem elaborada que acaba se constituindo numa obra autônoma, muito além do universo bocó dos heroizinhos de Hollywood, e com pretensões artísticas inimagináveis. A história subverte o que se acostumou a ver nos filmes nascidos de histórias em quadrinho. Para início de conversa o herói, Miles Morales, é um garoto do Brooklyn, descendente de negros e porto-riquenhos. No início, o grande drama da vida do rapaz é a dificuldade de se enturmar com o pessoal de sua nova escola particular, onde foi levado pelo seu pai (às vezes literalmente, de viatura), um policial durão que desaprova veementemente o trabalho do justiceiro Homem-Aranha que (calma!) existe e não é, ainda, o nosso personagem principal. O roteiro é construído dentro da noção de múltiplos universos, mas estes conceitos em nada pesam o desenvolvimento das cenas, sempre executadas com muita precisão e beleza. Aliás, o que chama a atenção no Aranhaverso é a força das imagens, que ocorrem naturalmente sem se prender a nenhum estilo específico. Em nenhum momento, o filme tenta convencer os espectadores de que não é uma animação. Pelo contrário, as cores explodem na tela, numa psicodelia que sobrepõe as texturas de antigos gibis com os modernos recursos de live action . O surpreendente é que tudo é feito ao mesmo tempo, sobrepondo elementos toscos com um design altamente evoluído. Quando os diversos homens-aranhas começam a surgir, como efeito colateral de um acelerador de partículas capaz de fundir vários multiversos, o impacto visual se acentua, pois há uma mescla de estilos, inclusive o bizarro Porco Aranha em 2D, ou o Homem-Aranha Noir em preto e branco. No entanto, a direção de arte é perfeita, os diálogos se mantêm coerentes e, o que é a grande qualidade do filme, o bom-humor é contagiante. Mesmo concluída a luta com o Rei do Crime e resolvido o conflito com o seu pai, o novo Homem-Aranha deste universo continua conectado com universos paralelos, o que culmina com uma sensacional cena nos pós-créditos. #ramsey #persichetti #rothman #resenha

  • A Burguesia somos todos nós, sem charme

    O Discreto Charme da Burguesia é um filme obrigatório sob todos os aspectos. E isso acontece porque o conceito de “burguesia” vem se transformando através dos tempos. No entanto, seja qual for a compreensão da vez, algumas características, todas elas muito claras no filme, irão prevalecer: hipocrisia, narcisismo, egoísmo e uma certa dose de estupidez. Assim como descrito por Cazuza depois de afirmar que “a burguesia fede”, Buñuel deixa claro com seus personagens que a burguesia quer ficar rica. São pessoas que se encontram acima da multidão faminta mas bem abaixo da elite: assessores de políticos, bispos, coronéis, diplomatas. Hoje seríamos todos nós que postamos fotinhas no Facebook mostrando nossos churrascos e turismos em Paquetá. Nesse ponto, aparece a característica mais marcante do filme: embora os personagens se encontrem SEMPRE em jantares, onde o assunto recorrente é a própria comida, eles NUNCA conseguem comer, seja porque erraram a data seja porque o chef esteja sendo velado em um caixão ao lado da cozinha ou mesmo interrompidos por manobras militares (genial!). É como se, através de um humor cínico, o diretor condenasse a burguesia a jamais participar do grande banquete capitalista. Nesse contexto, o conceito de burguesia deixa de aparecer em significações políticas ou econômicas. Aqui burguesia é puro fetiche, como, aliás, disseminado atualmente nas mídias sociais. Fetiche é outra marca registrada do diretor. Nesta obra, aparece em múltiplos tons: o casal que decide transar no jardim na mesma hora em que os convidados chegam para jantar, o bispo que se excita ao se vestir de jardineiro (e acaba expulso da casa, até retornar com sua vestimenta clerical e ter o anel beijado) e, numa cena digna de Marx (os irmãos), Don Rafael Acosta, embaixador de um país latino fictício, escapa de um fuzilamento que atinge todos os convidados se escondendo debaixo da mesa, mas acaba traído ao tentar pegar um pedaço de presunto. Burguesia, em 1972, eram os outros. Hoje, talvez sejamos todos nós. #resenha #buñuel

  • Laranja Mecânica, perpetrador e vítima

    Se não mencionado o seu ano de lançamento, 1971, Laranja Mecânica poderia ser confundido com um documentário moderno sobre gangues. O assunto aqui não é a violência em si, que causou a proibição do filme em vários países, mas trata-se de política, que aparece todo o tempo no filme como um mecanismo ( clockwork ?) para a manutenção do poder vigente. Dessa forma, o protagonista Alex DeLarge lidera seu grupo de droogies (“amigos” no dialeto Nadsat em que o filme é narrado, e também no livro homônimo, de Anthony Burgess), organizando as atividades próprias dos jovens daquela sociedade distópica: espancamento de mendigos, estupros, roubos e depredações em geral. O conselheiro pós-correcional de Alex, o bizarro P. R. Deltoid, apenas aguarda o momento em que seu tutelado cometa algum crime para entregá-lo à (igualmente violenta) polícia. A oportunidade não demora, pois o rapaz acaba matando uma atrevida criadora de gatos e é condenado a 14 anos de prisão. Já na prisão, e agora devoto colaborador do Capelão, Alex se voluntaria para um experimento de mudança de comportamento patrocinado pelo governo. Chamado de Tratamento Ludovico, a experiência consistia em implantar uma resposta aversiva a estímulos visuais de cenas violentas. Por acidente, a trilha sonora de um filme sobre atrocidades nazistas é a Nona Sinfonia de Beethoven, música mais amada por Alex que, a partir de então, será igualmente dolorosa para o “regenerado” prisioneiro. Deixando de ser o perpetrador, Alex se torna vítima. Não apenas do Estado, mas também de todos os seus antigos objetos de tormento. Uma de suas vítimas, um líder da oposição ao governo, coloca o protagonista numa situação-limite, para que este, ao buscar se matar, invalide o tratamento químico oficial. Por força do destino, Alex sai vivo, embora com muitas fraturas, do atentado oposicionista. Percebendo sua importância como peão midiático do jogo de poder, Alex descobre finalmente o lugar onde pode exercitar a sua psicopatia de forma institucionalizada e libertadora: a política. #resenha #kubrick

  • O Sétimo Selo, perfeição irritante

    Quando me perguntam por que iniciei Filmes Fodásticos, respondo que é para que pessoas se sintam tentadas a assistir filmes como O Sétimo Selo . Sempre há essa curiosa crença por pessoas que simplesmente vão ao cinema de que o filme deve “mostrar” alguma coisa ou “ensinar” algo ou sei lá o quê. Como se a arte (o cinema é uma arte, lembram?) tivesse alguma função utilitária. Ingmar Bergman chega a ser irritantemente perfeito na construção desse filme. Falam em trama psicológico, ou filme sobre a morte, mas a obra é de uma clareza quase psicótica sobre um assunto eterno: o medo, e, de maneira especial o medo de ficar só. Daí o desespero pela ausência de Deus. Antonius Block, o cavaleiro que percebe ter desperdiçado dez anos de sua vida nas Cruzadas reconhece: “Eu grito por ele (Deus) no escuro mas não tem ninguém lá”. Curiosamente, a única figura fantástica presente é a Morte que, com seu manto negro, diz acompanhar o cavaleiro em toda a sua jornada. Block propõe à entidade um jogo de xadrez, não para retardar a sua partida mas para especular sobre Deus (sem nenhum sucesso). O jogo transcorre durante todo o filme até que o cavaleiro trapaceia, e num movimento aparentemente suicida, consegue salvar a vida de um casal de artistas de uma trupe: José, Maria e seu filhinho. Ao lado do escudeiro Jons que, ao contrário dos auxiliares tradicionais, é letrado, filósofo e ateu, o cavaleiro retorna ao seu castelo através de um cenário de destruição em que se misturam peste negra, arquitetura românica, a queima de uma bruxa adolescente e a passagem de uma multidão de peregrinos praticantes da autoflagelação. O final do filme não é igualmente palatável para moviegoers. Perguntar quem ganha o jogo de xadrez é irrelevante ao sabermos que a Morte nunca perde. E jamais perderá. O casal de artistas conduz sua carroça rumo ao horizonte, enquanto José, que é uma espécie de vidente, observa: “O rigoroso Senhor da Morte botou todos eles para dançar”. Maria duvida das visões do marido. E a criança sorri. #resenha #bergman

  • Apocalypse Now, horror e poder de destruição nossos

    Apocalypse Now não é um filme de guerra. Concebido inicialmente a partir do livro Heart of Darkness, de Joseph Conrad, que conta a busca de um aventureiro nas selvas do Congo, foi transposto para a guerra do Vietnã, onde certamente encontrou um cenário ainda mais sombrio do que a história original. O que se vê no filme são armas. Armas que, num primeiro momento, seriam o elemento mais óbvio de um filme “de guerra”, mas que, durante a narrativa mostram o seu poder de fazer emergir o horror e o poder de destruição que, descobrimos, mora em cada um de nós. A trama principal mostra o capitão Willard, das chamadas “forças especiais” (leia-se licença para matar), que, como um Ulisses às avessas, ruma para um local distante do campo de batalha, no Camboja, com a missão de exterminar o Coronel Kurtz, um oficial condecorado que, insano, passa a comandar um exército de montanheses como se fosse um semideus. À bordo de um barco-patrulha da marinha americana, na companhia de quatro tripulantes, o capitão sobe o rio Nùng, numa viagem alucinada e alucinante, regada a ícones do American way of life como plano de fundo para destruição. Dessa forma, uma competição de surf é motivo para que o tenente-coronel Kilgore (que adora o cheirinho de napalm pela manhã) destrua toda a vegetação de uma ilha. Numa inspeção de rotina num barco de pesca, um filhotinho de cachorro torna-se motivo para uma matança. Dois dos personagens do barco são igualmente mortos de forma ridícula. Estranhamente o encontro com o coronel Kurtz (o momento de, finalmente, encontrarmos Marlon Brando, ainda que meio escondido pelas lentes mágicas de Vittorio Storaro) não é tão impactante quanto a expectativa de rever o melhor ator do mundo em ação. Mas nada, nem as remontagens nem finais alternativos nem críticas nem problemas de produção tiram de Apocalypse Now o brilho de ser um dos filmes mais sombrios já realizados, e um dos mais grandiosos da história do cinema. #coppola #resenha

  • O Último Tango em Paris: subversivo até quando?

    Curiosa essa palavra “subversivo” que tem sido o adjetivo mais aplicado a O Último Tango em Paris . Curiosa porque, há 46 anos, quando o filme foi lançado, subversivo soava como libertário na Europa e destruidor dos bons costumes em países do Terceiro Mundo. Agora, às vésperas de completar cinquenta anos, e na semana da morte do diretor, o filme ressurge na mídia como ofensivo ou perturbador. Mas o que havia, na época do lançamento de O Último Tango em Paris, e está de novo em alta, é uma real inabilidade para lidar com temas sexuais, inabilidade que aliás nunca deixou de existir, mas que soava um pouco cafona em ambientes “culturalmente corretos”. Paul e Jeanne se encontram num apartamento para alugar na Paris de 1972. Por algum desses motivos que parecem estranhos, mas que certamente habitam a mente de muitos, o homem de 45 anos beija a moça de 20 e inicia um avanço sexual que só não pode ser considerado estupro pela concordância dela. A partir daí iniciam um relacionamento com a condição, imposta pelo americano, de que não sejam revelados nomes e nem detalhes pessoais. O filme é tão restrito nesse aspecto que jamais soubemos o nome da mãe de Rosa, a esposa de Paul que havia acabado de cometer suicídio. Se a intimidade social não aparece, a sexual é escancarada, desbocada e suja (no bom sentido, poderíamos dizer). Bertolucci deixa os atores livres para improvisações, e o que se vê são momentos de puro lirismo. Impossível esquecer a metamorfose vivida por Paul, de homem violento em um quase garotinho soluçando junto ao corpo de sua esposa morta. Há também um cena emblemática, que poderíamos classificar como profética, na qual Jeanne vocifera contra o seu noivo Tom, que está filmando a vida dela, reclamações sobre a forma como “não suporta estar sendo usada” e até mesmo que “se sente estuprada”, frases que seriam empregadas pela atriz Maria Schneider mais tarde, na vida real. A fotografia de Vittorio Storaro e a música de Gato Barbieri emolduram essa obra de arte. #resenha #bertolucci

  • Do Mundo Nada Se Leva: hino ao cinema

    Do Mundo Nada se Leva é um hino ao cinema. Completando oitenta anos, não há nada que o torne mais ingênuo ou desatualizado. Na residência do Vovô Vanderhof convivem pessoas que fazem exatamente o que querem e só o que querem: filhos, netos, genros ou simplesmente pessoas que foram ali jantar e não saíram mais. Essa família-comunidade anárquica, talvez um prenúncio do que, trinta anos depois, seriam os hippies contrasta fortemente com a outra família da trama, o banqueiro mal-humorado J. P. Kirby que, investindo no projeto de uma fábrica de munição (o filme é pré-Segunda Guerra), necessita comprar um bairro inteiro, mas tem seu investimento frustrado justamente por um morador que teima em não vender sua propriedade: o sr. Vanderhof que preza mais os valores familiares do que qualquer valor em dinheiro. Mas outra querela faz com que o destino das famílias se cruze: o romance do filho de J. P. e vice-presidente da empresa, Tony, com sua secretária Alice, por acaso neta do Vovô que não quer vender a casa. A cena da visita da família rica à casa dos Sycamores é digna das chamadas screwball comedies da década de 1930, embora o filme não tenha vocação para a gargalhada, derivando para temas incrivelmente modernos como a ganância por mais e mais dinheiro, o empobrecimento da população (seria a Recessão de 2008/2009 um remake da Grande Depressão?), e até mesmo o medo do “perigo vermelho”, a ameaça comunista que tem frequentado as agendas eleitorais da América. O desfecho do filme é um bom exemplo do que era chamado na época de Capra-corn, filmes que exaltam o que havia de melhor (e ainda há) na natureza humana: sensibilidade, gentileza, humildade e bom-humor. Se entendermos que o gênero humano é regido pela ganância, egoísmo e desamor, fica fácil compreender como as soluções de Do Mundo Nada se Leva nos conduzem a momentos de puro enlevo e sonho. No momento em que Vanderhof convence o contador Poppins a deixar o banco e mudar-se para sua casa para fazer máscaras e brinquedos, este, ainda ressabiado, sentencia: “a sorte está lançada”. #resenha #capra

  • Tess: sedução inevitável?

    Tess foi o primeiro filme dirigido por Roman Polanski após sua fuga da América para fugir às acusações de estupro. Não há como falar não desse assunto (estupro) quando se analisa Tess, pois é essa a grande questão também do livro Tess of the d’Urbervilles do escritor britânico Thomas Hardy. O filme é soberbo. A fotografia de Geoffrey Unsworth, que morreu de ataque cardíaco durante as filmagens, é belíssima. Nastassja Kinski é tão perfeitamente linda, recatada e vulnerável que sua sedução parece inevitável. Enviada pelo pai, um fazendeiro beberrão do condado de Wessex, para visitar uma família abastada de quem acreditam serem parentes, a jovem Tess recebe uma proposta de emprego do seu suposto primo, o ávido Alec que, no primeiro diálogo, já pergunta se a moça estaria vindo em busca de prazer. Estuprada pelo “primo”, Tess retorna à fazenda dos pais onde se descobre grávida. O filho, doente, logo morre, mas Tess é proibida de enterrá-lo num cemitério cristão devido à sua origem e à certeza da sociedade local de que a morte da criança seria um castigo de Deus. Tess vai ordenhar vacas em uma fazenda e conhece o filho do pastor, Angel Clare, por quem se apaixona. Por artes do destino, Tess não consegue contar o seu segredo para o seu futuro marido, só conseguindo fazê-lo em sua noite de núpcias. O amado não suporta absorver a verdade e deixa a esposa, indo para o Brasil em busca de uma nova vida. Abandonada, Tess volta a ser assediada pelo primo a quem rejeita a princípio, mas de quem se torna amante para ajudar sua (agora viúva) mãe e seus irmãos. Doente, Angel retorna da América profundamente arrependido pela forma que tratou Tess e, após muitas buscas, consegue lhe pedir perdão na casa onde a moça mora com Alec. Presa num turbilhão de dúvidas, culpas e arrependimentos, Tess resolve eliminar o responsável pelo seu sofrimento absurdo, foge com Angel e enfim consumam o seu feliz casamento. Presa pela polícia em Stonehenge, um conhecido altar de sacrifícios, Tess é presa e condenada à morte. #resenha #polanski

  • Amarcord: tesão pela vida

    Até Amarcord , o adjetivo felliniano costumava ser definido como “burlesco”, “alegórico”, “imagético”. Amarcord, que seria uma corruptela de mi recordo no dialeto de Rimini, cidade natal do diretor, introduziu cenas inspiradas na adolescência de Federico Fellini que, dizia ele, NÃO eram memórias, pelo menos conscientes, palpáveis. E essas coisas que não podem ser tocadas, como as le manine do início do filme (pequenos flocos que caem das árvores e dissolvem nas mãos das pessoas), são conteúdos simbolizados mas não expressos, como se fosse possível capturar em celuloide os sonhos, os chistes e os atos falhos de uma sessão de psicanálise. Magnífico, esse filme talvez seja uma das expressões mais emocionantes da perplexidade masculina ante as mulheres. Num encantamento mágico que beira o pavor, vemos esses seres estranhos que, à primeira vista, causam excitação e promessas, revelarem-se ameaças naturais, depósitos explosivos de estrogênio. Há quem diga que, sob uma repressão massiva da Igreja Católica e do fascismo da época, todos os homens regrediam a um estágio púbere, o que talvez possa explicar a ambiguidade de Titta (o rapaz que pode ser Fellini, vivido por Bruno Zanin) que, em contato com os seios gigantes da dona da tabacaria (Maria Antonietta Beluzzi), mais se assemelha a um bebê sufocando do que a um amante feliz. O que ocorria naquela pequena cidade dos anos 1930 é que homens se expressavam através de símbolos fálicos (o hino comunista na torre da igreja, o mural de flores compondo o rosto do Duce, o pavão na neve) a desafiar a natureza, ao passo que mulheres ERAM (são sempre) a natureza em si. Gradisca (Magali Noël), o grande objeto de desejo dos ragazzi , só se dava (literalmente) aos poderosos. A prostituta Volpina (Josiane Tanzilli), única pessoa não reprimida na vila, causava medo e nojo, e caminhava sozinha pela praia. O filme termina da forma que começou. Durante o casamento da Gradisca com um oficial fascista, as le manini retornam anunciando o início de nova primavera. Titta (Fellini?) já foi embora há algum tempo, dizem. Sem se aperceber do final da cerimônia, o acordeonista cego continua tocando a música inesquecível de Nino Rota. , #fellini #resenha

  • Corpo e Alma: sem espaço para sonhar

    Corpo e Alma é um filme na contramão do cinema. Pouco se fala de sentimentos. A dimensão simbólica é substituída por uma concretude que não deixa espaço para sonhos, a não ser para um único, aquele que os protagonistas dividem. Endre e Mária, um diretor financeiro de meia-idade e uma jovem inspetora de qualidade trabalham em um matadouro. Suas vidas solitárias podem ser vistas na intimidade de seus apartamentos através de contrastes: o interior escuro, iluminado apenas pela luz da TV do apartamento do homem, e uma luminosidade intensa no apartamento da moça. Ele, que tem uma paralisia no braço esquerdo, parece evitar a vida talvez para não repetir alguma dor. Ela não consegue qualquer tipo de contato social ou físico porque mergulhada num espectro autista. No sonho que vivem juntos sem saber, descoberto ao acaso por uma cética psiquiatra, um cervo e uma corça caminham por uma floresta gelada em busca de alimento. O cenário é desolador e somente aquilo que os une também os mantém vivos. Longe dali, na vida real, uma multidão de bovinos bem alimentados espera pacientemente na fila do abate. Este é feito de maneira clara e reveladora: corpos são degolados e desmembrados num banho de sangue que escorre pelo chão. Endre e Mária compartilham os seus sonhos como quem conta o episódio de um seriado de TV assistido no dia anterior. Ele é arredio a um envolvimento emocional porque não quer se iludir. Ela sequer sabe como fazê-lo. No entanto, conversando com seu terapeuta infantil, e reelaborando as cenas vividas com figurinhas de lego em seu apartamento, começa a aprender a exercer as suas habilidades sensórias. A diretora Ildikó Enyedi consegue conduzir esse paradoxo de uma forma seca, como o são os personagens, porém calma como o olhar de um boi que deixa de ser trucidado porque soou a sirene do final do expediente. No momento de maior dor, que é sentida também pela plateia, quando a soma de toda ansiedade é vivenciada como uma angústia inexorável, algo acontece e embaralha os opostos. Não é um final feliz como se conhece. O sonho se esvazia. Corpo e Alma é um filme na contramão do cinema. Pouco se fala de sentimentos. A dimensão simbólica é substituída por uma concretude que não deixa espaço para sonhos, a não ser para um único, aquele que os protagonistas dividem. Endre e Mária, um diretor financeiro de meia-idade e uma jovem inspetora de qualidade trabalham em um matadouro. Suas vidas solitárias podem ser vistas na intimidade de seus apartamentos através de contrastes: o interior escuro, iluminado apenas pela luz da TV do apartamento do homem, e uma luminosidade intensa no apartamento da moça. Ele, que tem uma paralisia no braço esquerdo, parece evitar a vida talvez para não repetir alguma dor. Ela não consegue qualquer tipo de contato social ou físico porque mergulhada num espectro autista. No sonho que vivem juntos sem saber, descoberto ao acaso por uma cética psiquiatra, um cervo e uma corça caminham por uma floresta gelada em busca de alimento. O cenário é desolador e somente aquilo que os une também os mantém vivos. Longe dali, na vida real, uma multidão de bovinos bem alimentados espera pacientemente na fila do abate. Este é feito de maneira clara e reveladora: corpos são degolados e desmembrados num banho de sangue que escorre pelo chão. Endre e Mária compartilham os seus sonhos como quem conta o episódio de um seriado de TV assistido no dia anterior. Ele é arredio a um envolvimento emocional porque não quer se iludir. Ela sequer sabe como fazê-lo. No entanto, conversando com seu terapeuta infantil, e reelaborando as cenas vividas com figurinhas de lego em seu apartamento, começa a aprender a exercer as suas habilidades sensórias. A diretora Ildikó Enyedi consegue conduzir esse paradoxo de uma forma seca, como o são os personagens, porém calma como o olhar de um boi que deixa de ser trucidado porque soou a sirene do final do expediente. No momento de maior dor, que é sentida também pela plateia, quando a soma de toda ansiedade é vivenciada como uma angústia inexorável, algo acontece e embaralha os opostos. Não é um final feliz como se conhece. O sonho se esvazia. #resenha #enyedi

  • Cidadão Kane: melhor filme de todos os tempos?

    Cidadão Kane não é, como se apregoa, o melhor filme já produzido. Mas, com certeza, é presença obrigatória nas coletâneas de melhores de todos os tempos. Além disso, a cinematografia de Gregg Toland pode qualificar o filme como um dos melhores trabalhos em preto e branco já realizados. A abertura, inesquecível, é um misto de filme de terror e noir e mostra um castelo numa colina: é Xanadu, refúgio do milionário Charles Foster Kane, inspirado no poema Kubla Khan de Samuel Taylor Coleridge. A fala inicial é a última palavra pronunciada pelo magnata proprietário de jornais, antes de morrer: Rosebud! O significado dessa palavra enigmática abre uma questão para o seu principal periódico, o New York Inquirer , que deixará a cargo do repórter Jerry Thompson a missão de revelar o segredo, que será conhecido do público apenas na cena final. A revelação do real significado daquele nome é considerada um dos mais paradoxos mais fantásticos da história do cinema. Na busca do que poderia ser “Rosebud”, o repórter vai revelando vários aspectos da vida de Kane, através de flashbacks , nem sempre ordenados e algumas vezes desconexos. São entrevistados o secretário do milionário, Bernstein; seu melhor amigo Leland; a segunda esposa Susan Alexander, pivô do escândalo que afastou Kane da política; além do diário pessoal de Thatcher, administrador dos bens e tutor de Charles até o seu 25º aniversário. Separado da família no Colorado quando era um garoto para ter uma formação em Nova Iorque que o capacitasse a administrar a fortuna adquirida quase por acaso por sua mãe, Kane atinge a idade de 25 anos e, para o desespero de Thatcher, não se interessa por nenhum tipo de investimento exceto o pequeno Inquirer que se torna o ponto de partida para o seu império jornalístico. Infelizmente, a pesquisa de Thompson é infrutífera, a não ser pela sua brilhante conclusão de que, ainda que Rosebud seja uma das poucas coisas que Charles nunca tenha possuído, ou algo tenha perdido, “nenhuma palavra pode explicar a vida de um homem”. #resenha #welles

  • Roma é monumental e corriqueiro

    Roma é um dos filmes mais impressionantes deste início de século. Meticulosas, grandiosas e emocionantes, a direção e a cinematografia de Alfonso Cuarón conseguem a façanha de recriar a cultura da década de 1970 na cidade do México sob a perspectiva simplória de uma fiel empregada doméstica sem perder um único detalhe importante. Embora a câmera siga todos os movimentos de Cleo, também babá dos quatro filhos do casal Antônio e Sofia, a visão que temos dos grandes planos abertos é sempre de baixo para cima, como se dividíssemos com uma das crianças (provavelmente o diretor) a admiração de cenas monumentais, como as ondas do mar, que constituem, para um adulto, fatos corriqueiros do dia a dia. Roma era um bairro de classe média com casas luxuosas e equipes de empregadas, cozinheiras, babás e motoristas. Desde o alvorecer, quando acorda as crianças para a escola, até o anoitecer, quando apaga as luzes, Cleo parece atender a todos os desejos, servindo refeições, limpando o cocô do cachorro Borras, lavando todas as roupas e sussurrando com a cozinheira Adela no dialeto Mixtec. A forma minuciosa e segura com a qual o patrão introduz o potente Galaxy 500 no apertado corredor que lhe serve de garagem é um simbolismo fálico que indica um predomínio patriarcal e masculino em todos os conflitos da história. Abandonada por ele, a senhora Sofia dirá sobre as mulheres: “estamos todas sozinhas”. Entremeadas na rotina diária, ocorrem momentos marcantes, como a viagem sem retorno do pai, um terremoto, a janela quebrada numa briga, um incêndio na festa de Ano Novo e o (quase) afogamento das crianças no mar de Tuxpan . Uma das cenas mais pungentes, o parto de Cleo, feito por médicos e enfermeiras reais, ocorre logo após uma das maiores tragédias da história do México, o Halconazo, em que dezenas de estudantes foram massacrados por paramilitares no Corpus Christi de 1971. No final do filme, a família retorna à casa. Cleo exprime pela primeira vez um desejo: não queria seu bebê. #resenha #cuarón

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